Todo o orgulho do mundo não vale o abrir-se mão de um filho
Hoje voltei a ver-te
tenho andado a lembrar-me de ti
de como já há muito tempo que não te via.
Vi-te.
Não sei se me viste, apesar de teres olhado para mim
Uma parte de mim ficou orgulhosa do seu carro bonito,
a outra lembrou-se que sem óculos não vês nada.
O teu ar continua a ser o mesmo, um ar desconfiado.
...
Uma parte de mim ficou a pensar que podia ter posto a cabeça de fora da janela
a outra sabe que essa é uma realidade difícil de se realizar
Já muitas foram as tentativas e por esta altura já é suposto saber que não o posso fazer.
Não eu.
Não depois de tudo.
Uma parte de mim ficou a chorar por dentro conseguindo impedir que houvesse lágrimas
a outra decidiu que este momento era digno de registo e que sobre isto eu teria mesmo de escrever.
Mesmo que depois das aulas. Depois de ir buscar as meninas e de as ir pôr no ballet.
Depois da minha reunião. Depois de fazer o jantar e depois de as pôr a dormir.
Mesmo com tanto depois, hoje eu tinha
Já lá vai o tempo, em que as palavras me contavam de mim, mais do que eu própria sabia.
já há muito que calei as palavras e parei de escrever.
Mas hoje não podia.
Hoje tenho.
O assunto é antigo, mas o sentimento continua novo.
Não era suposto ser assim.
O aceitar e viver com a consciência de que não posso mudar, é diário.
A tristeza também.
Qual nuvem que nos acompanha a caminhada mesmo nos dias de sol.
Hoje pensei que já podias ter percebido.
Já era tempo.
Quantos anos mesmo?
9 anos desde o nosso último Natal.
O início do fim.
Já tens 71...
E eu acho que todo o orgulho do mundo não vale o abrir-se mão de um filho.
"Ou fazes como eu digo ou não te quero ver!"
"Desaparece que ninguém vai atrás de ti."
E não vieste.
Que argumentos serão os teus que sustentam a razão que achas ter?
"Eu é que sou a mãe" dizias muitas vezes com o indicador a apontar.
"Eu não te admito"!
E o ser mãe justificava-te os caprichos, as criticas, as pragas, as ofensas, as injustiças, a violência.
Anos e anos a tentar que gostasses de mim.
À espera do dia em que a verdade viria ao de cima e tu me irias descobrir as virtudes.
E a tua culpa...
Desculpa. Seria a única palavra que terias de dizer para que pudéssemos voltar a ser uma família.
Ou para que o pudéssemos ser.
Nem com os nascimento das tuas netas.
O orgulho e uma razão que não te reconheço.
Não vale tudo.
Ser mãe é colo. É dar força. É estar lá. É ensinar. É aprender.
Ser mãe é paciência. É admiração. É um aperto constante com a dúvida do "será que estou a fazer bem?"
Tu não.
Tu nunca tiveste dúvidas da tua perfeição.
E do quanto eu era má.
Porque te punha em questão.
Por te perguntar porquê?
Por ter opinião.
Hoje vi-te e desejei que tudo fosse um engano.
E que chamasses por mim
Que me visses
Que me quisesses por perto.
Que me quisesses ser o chão e a morada, o tal incondicional que só vi em contos de fada
Mãe,
ainda não me viste?
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